vendredi 7 janvier 2011

Retrato : Manuel Alegre, o Dom Quixote socialista

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34 anos depois, o adeus foi um dia emotivo.

Sobretudo para aqueles que o acompanhavam desde a Assembleia Constituinte - Jaime Gama, Mota Amaral, Miranda Calha e Jerónimo de Sousa - e que agora viam sair da Assembleia da República (AR) mais um dos chamados "príncipes" da democracia. Na tarde do dia 23 de Julho de 2009, Manuel Alegre subiu pela última vez ao púlpito da Sala das Sessões. Ao fim de 34 anos de vida parlamentar, como deputado e vice-presidente da AR, despediu-se com um discurso centrado na defesa dos direitos sociais e políticos, na crítica ao divórcio entre os cidadãos e a política (principal bandeira da sua primeira candidatura a Belém), na evocação da geração que resistiu ao fascismo e na recordação das "grandes figuras" que passaram pelo Parlamento - Adelino Amaro da Costa, Francisco Sá Carneiro, Salgado Zenha, Álvaro Cunhal, Carlos Brito e Mário Soares. Explicou que decidira sair "por decisão pessoal" e que mantinha ainda o "sonho" de "construir uma democracia socialmente avançada". Foi ovacionado de pé por todas as bancadas, cujos deputados, mais velhos e mais novos, sempre viram nele uma voz "independente e combativa", considera Mota Amaral, deputado do PSD e antigo presidente da AR. Em nome do grupo social-democrata, coube-lhe intervir no momento da despedida de Alegre - uma despedida que, leu, "não seja afinal um adeus, mas apenas um até breve". "[A saída de Alegre] à primeira vista empobrece o Parlamento, que fica privado do seu idealismo - que apeteceria dizer romântico, mas a palavra certa é socialista! -, do brilho da sua palavra, do timbre da sua bela voz, do peso da sua autoridade política. Os que aqui voltarem para a XI legislatura vão sentir a falta de Manuel Alegre. E os seus amigos, que são muitos e de todas as bancadas, vão ter saudades dele", leu Mota Amaral. A relação entre Amaral e Alegre remonta aos tempos da Constituinte, mas fortaleceu-se quando ambos integraram a Mesa da AR, como vice-presidentes, e quando o social-democrata presidiu ao Parlamento. "Era muito empenhado, dava muitos conselhos e dirigia os trabalhos com bastante firmeza", lembra. "Dentro do PS foi sempre uma voz independente, que saiu fortalecida das eleições presidenciais de 2006, sobretudo depois de derrotar Mário Soares", diz o político a quem Alegre vaticinou uma eventual candidatura à Presidência da República. Em 1994, dois anos antes das eleições que deram a vitória a Jorge Sampaio e deixaram Cavaco Silva em segundo lugar, Alegre, em entrevista ao Açoriano Oriental, fez questão de salientar o "perfil de homem de Estado" de Amaral, qualificando-o como "um dos candidatos possíveis do PSD". A teia de amizades que Alegre criou ao longo de mais de três décadas na AR estendeu-se a todas as bancadas partidárias. Ribeiro e Castro, deputado do CDS-PP, considera-o "uma referência", apesar das ideologias que os separam. "É uma referência mais nítida para aqueles que viveram o nascimento da democracia", explica, sublinhando que muito do prestígio que Alegre granjeou junto dos outros partidos deve-se a "um percurso de afastamentos e aproximações relativamente à sua bancada que lhe permitiram seguir uma linha pessoal". Este caminho valeu-lhe, diz o deputado democrata-cristão, períodos de solidão política: "Sempre procurou, às vezes em momentos de enorme solidão, ser coerente com a sua própria história cultural e política. Nunca foi um clone ou uma marioneta." A perseverança ideológica de Alegre, traduzida, por exemplo, no facto de nunca ter votado uma revisão constitucional, é um dos atributos apontados por Joaquim Romero de Magalhães, que, apesar de conhecer o escritor há 50 anos, dos tempos da boémia coimbrã, só veio a reencontrá-lo nas eleições para a Constituinte, em 1975. Ambos concorriam pela lista socialista de Coimbra e já nessa altura Alegre se mostrava "igual a si próprio, afirmativo e ideologicamente muito seguro", recorda o historiador.
In Público, Por Maria José Oliveira, 07.01.2011

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