Manuel Alegre garante que a sua candidatura presidencial continua a representar uma alternativa semelhante à que apresentou há cinco anos. E assume que PS e Bloco de Esquerda divergem muito, mas que conseguiram juntar-se nesta campanha. Com significado, diz.
Tem dito que o projecto de revisão constitucional do PSD visa o desmantelamento do Estado social. Mas também que não haverá revisão constitucional. Como é que se desmantela uma coisa através de um processo que está convicto de que não acontecerá?
Aquele projecto de revisão constitucional é mais do que isso, é um programa de governo, é um projecto estratégico de descaracterização do Estado social que não precisa de uma revisão da Constituição. Se houver uma nova maioria política e se houver um presidente compreensivo ou complacente, isso pode-se fazer sem fazer a revisão constitucional.
Acha que Cavaco Silva seria esse PR compreensivo, complacente?
Sim, até pelo discurso. Ele fala de saúde de qualidade, fala de educação de qualidade, mas nunca diz Serviço Nacional de Saúde, nunca diz educação pública. A visão que ele tem das questões sociais e da solidariedade social é uma visão sempre mais assistencialista do que sublinhada pela função social do Estado. Não falo da extinção do SNS; basta pôr em causa algumas características fundamentais para o reduzir, descapitalizá-lo. Fica um serviço pobre para pobres.
Tem dito que o projecto de revisão constitucional do PSD visa o desmantelamento do Estado social. Mas também que não haverá revisão constitucional. Como é que se desmantela uma coisa através de um processo que está convicto de que não acontecerá?
Aquele projecto de revisão constitucional é mais do que isso, é um programa de governo, é um projecto estratégico de descaracterização do Estado social que não precisa de uma revisão da Constituição. Se houver uma nova maioria política e se houver um presidente compreensivo ou complacente, isso pode-se fazer sem fazer a revisão constitucional.
Acha que Cavaco Silva seria esse PR compreensivo, complacente?
Sim, até pelo discurso. Ele fala de saúde de qualidade, fala de educação de qualidade, mas nunca diz Serviço Nacional de Saúde, nunca diz educação pública. A visão que ele tem das questões sociais e da solidariedade social é uma visão sempre mais assistencialista do que sublinhada pela função social do Estado. Não falo da extinção do SNS; basta pôr em causa algumas características fundamentais para o reduzir, descapitalizá-lo. Fica um serviço pobre para pobres.
Tem elogiado a "coragem" de José Sócrates para travar o FMI.
Ao mesmo tempo, tem sido crítico das medidas de austeridade que foram aplicadas, justamente para impedir essa assistência internacional. Como é que se trava o FMI sem a austeridade?
E há alternativas?
Há sempre alternativas. Não vale a pena estar agora a discutir isso muito. Acho que Espanha, Portugal e Grécia deveriam ter-se concertado, sobretudo os socialistas desses países. Não sei se têm poder ou não para alterar, mas deviam.
Em Portugal, há alternativas a curto prazo a essas políticas que contesta?
Se ganhar, qual será o futuro do diálogo entre a esquerda?
Não me candidato para promover soluções. Já disse que não é para fazer nem para desfazer governos. E tenho perfeita noção do que são as competências de um Governo da República. Eu não me candidato para governar. Não tenho cooperação estratégica nem magistratura activa, embora eu ache que todas as magistraturas são activas. Agora, acho que um presidente pode ter um papel numa situação destas. Além de papel inspirador, mobilizador e congregador.
Há cinco anos, apresentou-se como o candidato capaz de estabelecer esse diálogo e de promover uma alternativa. Hoje, apresenta-se como alguém que não está aqui para fazer nem desfazer...
Há uma ponte. De facto, o Bloco e o PS têm grandes divergências, contradições, antagonismos, mas convergiram na minha candidatura. Já tem algum significado.
Foi difícil fazer essa síntese, com essas divergências todas?
Não, porque não houve aqui nenhum equívoco. Como foi patente na primeira reunião da minha comissão política, onde estiveram alguns dos principais agentes do PS e do Bloco, ninguém estava ali para enganar ninguém. Estamos aqui para isto, para este objectivo. E, portanto, na prática, esse objectivo tem sido respeitado, tem sido cumprido. Não houve conflito nenhum. Mesmo os discursos, são discursos alinhados nos objectivos da candidatura e não outros. Neste momento há, não quanto às soluções, também uma convergência - o que já não é mau - na resistência ao FMI.
Se perder esse tal diálogo à esquerda vai ter um poderoso contratempo. Isso não o preocupa?
Esse é outro problema, mas estou aqui para ganhar. Não vou falar em cenários para depois da derrota. Estou aqui para ganhar. Acho que neste momento tudo está em aberto, tudo é possível, estou convencido de que pode haver uma segunda volta. Havendo uma segunda volta, tenho grandes possibilidades de ganhar.
Não receia trocas de acusações depois de uma eventual derrota?
Essas coisas podem sempre acontecer, mas não há nenhuma razão para acontecerem. Ninguém se queixou de ninguém, até agora. E numa campanha destas, as pessoas conhecem-se, também se estabelecem relações afectivas, até de amizade, e a política também é feita de afectos. Não quer dizer que isso leve a acordos. Isso está muito longe, porque os projectos políticos, infelizmente, são diferentes.
Admite, eventualmente, vir a ser penalizado pela impopularidade do Governo, pelo desgaste da imagem do primeiro-ministro?
Admito, com certeza. Admito que sim. Embora ache que as pessoas fazem uma diferença entre mim e o Governo. Na rua não ouvi tantas queixas como aquelas que estava a contar. Admito que sim. Mas a presença do PS também conta.
Admite ser penalizado?
Admito as duas coisas. São efeitos contraditórios. Admito uma relativa penalização, mas também uma maior mobilização de uma parte do eleitorado que sem o apoio do PS seria difícil conseguir.
Ficamos com a impressão de que a sua campanha sofreu algum desgaste quando recebeu o apoio do PS, por se ter tornado muito difícil fazer a síntese entre ser apoiado pelo PS e ser apoiado pelo Bloco. Foi uma espécie de abraço do urso? Condicionou?
Não. Ainda ontem falei sobre aquela coisa da...
... carga policial?
Disse que o que está em causa é um combate de "vida ou de morte" pela democracia. Não foi longe demais?
Talvez. Mas eu não estava a falar da democracia. Estava a falar da democracia social, não estava a falar da democracia formal. Os direitos sociais são inseparáveis dos direitos políticos. Esvaziando ou enfraquecendo os direitos sociais, enfraquecem-se os direitos políticos. Mas nunca disse que a democracia formal estava em causa. São apelos de mobilização que se fazem na fase final de campanha.
Fernando Nobre, ontem, desafiou-o a esclarecer o que faria caso ele passe à segunda volta.
Como ele não passa, nem vale a pena estar a dar uma resposta.
E desafiou-o a si a desistir.
Incentivada por quem?
Quem é que o incentivou?
Todos nós sabemos.
Mário Soares?
O caso BPN pode fragilizar Cavaco Silva se ele for reeleito?
Se ele for reeleito, acho que sai muito enfraquecido por não ter esclarecido esse caso e os outros.
E acha que ele não devia ter esperado pelo desfecho das eleições?
Acho que é muito mau do ponto de vista dele próprio, da República e da transparência democrática e do escrutínio que deve haver. São coisas desagradáveis. Eu também fui confrontado com situações desagradáveis. Procurei esclarecer, mas isso faz parte do eixo da democracia, em que a comunicação social tem um papel mais escrutinador. Até acho que devia ter mais, mais escrutinador. Essas coisas têm de ser respondidas porque são dúvidas legítimas. Ele autovitimiza-se, fala de calúnias, mas há ali perguntas que têm de ser respondidas! Imagine agora que aquilo se passava nos EUA!
Mas vai continuar a insistir no esclarecimento?
Já disse aquilo que tinha a dizer. O meu combate é político, não fui eu que insultei. Ele convive muito mal com a crítica, com o contraditório, com o debate. Revela uma grande insegurança.
Se analisarmos a situação, concluindo que Cavaco Silva foi usado - recebendo 140 mil euros para credibilizar um projecto bancário que viria a revelar-se delinquente -, considera essa análise equilibrada, justa?
É uma análise... Ele é um homem avisado, não é? Economista, depois primeiro-ministro durante dois anos, ministro das Finanças, é professor de Finanças... Conhece bem aqueles mecanismos, não é? Eu não sou economista, mas não me estou a ver deixar usar daquela maneira. Mas admito isso.
Há condições para este Governo chegar ao fim da legislatura?
Pode chegar. Depende. Não há nenhuma razão para não chegar, do ponto de vista da legitimidade e dos mecanismos democráticos. Pode cair com uma moção de censura, mas duvido que uma moção de censura apresentada pela direita passe.
Se o País recorrer à ajuda externa, o Governo tem condições políticas para continuar?
Não quero antecipar. Se eu for PR, ajudarei o Governo a resistir por todos os meios e procurarei tomar algumas iniciativas que o PR não tomou. Não vou ficar calado, não tenho esse respeito, quase religioso, pelos mercados financeiros.
Mas o Governo ficaria numa situação de grande fragilidade?
O País fica numa situação de grande fragilidade. Se lá estiver, verei o que se há-de fazer. Mas neste momento, estamos numa luta de resistência, de tentar impedir. Como PR, estarei nessa. Se formos muito encostados à parede, logo se verá.
As medidas que possam vir a ser propostas, caso esse cenário venha a verificar-se, terão de passar pela Assembleia da República e por promulgação do PR. Vetará essas medidas?
Opor-me-ei às medidas que impliquem a descaracterização daqueles serviços públicos que eu acho que são indispensáveis para o povo português. Opor-me-ei! Resistirei tanto quanto me permitirem os mecanismos institucionais e os poderes presidenciais - esse é um compromisso.
No quadro da revisão constitucional, há algum poder do PR que quisesse ver clarificado ou considera que está tudo bem?
Acho que o mandato do PR devia ser alargado para mais um ou dois anos e ser um único mandato. As coisas seriam mais claras. Faria aquilo que tem a fazer num mandato e não estaria no primeiro mandato a preparar o segundo.
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