No 'derby' da área socialista, Manuel Alegre e Fernando Nobre quase não tiveram tempo para falar de Cavaco. Sobre o apoio do PS do BE, Alegre virou o bico ao prego: «Se até consigo unir duas coisas que parecia impossível unir, significa que estou em condições de unir os portugueses». Nobre considerou «um insulto» a tese de que foi «empurrado» por Mário Soares.
Não perderam a calma, mas usaram todos os argumentos no debate que poderia definir a orientação de voto de muitos socialistas que não morrem de amores por Manuel Alegre. No ataque mais esperado, já recorrente, Alegre transformou o 'handicap' de ser apoiado pelo PS, no Governo, e pelo BE, na oposição, numa vantagem, caso chegue a Belém.
Dizendo que não estava «capturado» por nenhum dos partidos, Alegre, com bonomia, defendeu-se do «estereótipo» que lhe tinham colado: «Ser apoiado pelo PS e pelo BE até bom. Se até consigo unir duas coisas que parece impossível unir, isso significa que estou em condições de unir os portugueses». Acrescentou, que sempre foi independente, lembrando que tinha votado contra todas as revisões constitucionais, ao arrepio do seu partido.
Fernando Nobre não esperaria muito para lançar um ataque massivo ao adversário. Primeiro ainda assegurou que não queria ser em 2011 o que Alegre fora em 2006 - o candidato da cidadania, contra os partidos. «De maneira nenhhuma! O meu percurso é diferente. Não estou a invocar a cidadania por oportunismo. A cidadania é o meu pilar».
Depois atirou-se ao socialista.
Dizendo que tinha «dificuldade em compreender» Alegre, lembrou que este, nas últimas presidenciais, dizia que Francisco Louçã [então candidato a Belém] era «o Cavaco do avesso». Continuando a revista pelo passado, criticou-o por ter dito, como deputado socialista, em 2007, que «o PS estava a destruir o Estado Social» e continuou com uma afirmação recente de Alegre numa entrevista: «Disse este ano que era mais importante ter uma cátedra em Itália do que ser Presidente da República».
Mas não era tudo. «Não vejo coerência quando há cinco anos se candidatou contra o candidato do seu partido e até disse que só tinha tomado a decisão de avançar depois de saber que Soares era candidato».
Estava lançada a 'bomba Soares' e o debate aqueceu. A moderadora do debate na TVI, Constança Cunha e Sá, aproveitou para perguntar se Nobre tinha sido 'empurrado' por Mário Soares para correr agora contra Alegre.
Nobre que já tinha justificado a candidatura, lembrando o seu passado, para concluir: «Depois de tanto ter recebido, cheguei que tinha chegado a hora de me dar», ofendeu-se.
«Isso foi a primeira picareta que me atiraram», um «insulto», para quem esteve [em acção humanitária no teatro de guerra de] Beirute em 1982, para quem tinha estado «num genocídio» e era um espírito livre.
Alegre não deixou escapar a oportunidade para atacar o candidato que mais invoca o seu currículo profissional. «Não gosto de pessoas que se candidatam com pretensa superioridade moral sobre os outros». Acrescentou uma farpa 'anti-soarista', manifestando que Nobre o critique por ter sido candidato contra o PS: «Parece que é mais do PS [que não moveu a Alegre um processo disciplinar] que os dirigentes do PS». O poeta ainda acrescentou que, antes dele, em 2006, Mário Soares tinha duas vezes votado contra o seu partido.
Sobre a 'cátedra em Itália', justificou que tinha dito isso num contexto de uma entrevista literária, «como metáfora» e «provocação».
Alegre ainda falou em Francisco Lopes, felicitando-o pela prestação televisiva da noite anterior, frente a Cavaco, e Nobre deixou claro que não aconselhará o voto na segunda volta, se não passar (algo que porém não admite). «Não sou dono dos votos. De cem mil, quinhentos mil ou um milhão», lançou, numa indirecta a Alegre, que em 2006 ultrapassou o milhão de votos.
Na fase final do debate, esteve em causa o posicionamento face ao Governo e a responsabilidadede Alegre na crise e o pretenso populismo de Nobre.
Nobre menorizou a participação do adversário no golpe democrático («Houve muitos, para além de Alegre») para sublinhar a sua responsabilidade pela situação do país, a quem tinha estado «34 anos nos corredores do poder», como deputado. «Não há maior [sinal] de falencia [deste regime] do que a fome». Alegre «tem que assumir o passado. tem de sentir que se acomodou».
Embora admitindo que tem responsabilidades, como todos os políticos, Alegre contra-atacou ligando Nobre a uma postura populista, perigosa.
«Todos somos responsáveis. Mas o Dr. Fernando Nobre também entrou no sistema. Penso que nãoo está aqui para derrubar o sistema. E faz um discurso que tem os seus riscos. Houve erros [falou da fome] mas é preciso ter cuidado». Alegre continuou a demolir o 'discurso anti-políticos' com uma conclusão forte.
O combate à fome, ao desemprego, argumentou Alegre, faz-se «dentro da democracia». É «muito perigoso alimentar sentimentos anti-politicos e até antidemocracia». Um candidato «tem a responsablidade de ter muito cuidado nas afirmações». O discurso «do homem providencial. Sabemos como isso acaba», concluiu, numa alusão ao regime salazarista.
Nobre protestou - «Era o que faltava. Não sou demagogo nem populista» - e insistiu num discurso social e na sua legitimidade como candidato.
Questionado sobre a sua posição perante as medidas de austeridade, Alegre voltou a dizer que não tinha que fazer apelos à greve geral e disse «que os sindicalistas não têm dúvidas sobre a minha posição» - uma referência, cifrada, para os espectadores, ao facto de ontem ter sido divulgado um documento assinado por sindicalistas da CGTP e da UGT, de apoio a Alegre, em que este candidato se compromete a defender os direitos laborais e o Estado Social.
Na inevitável discussão do Orçamento do Estado, Alegre sacudiu o seu comprometimento com o documento, mas assumiu que preferia ter um OE ao colapso que o contrário implicaria.
Sobre o anúncio recente, entre as 50 medidas do Governo, para a competitividade, da criação de um fundo para despedir trabalhadores, cujo financiamento levanta suspeitas de que será parcialmente custeado pelos trabalhadores, Alegre teve uma curiosa expressão para se eximir a uma opinião definitiva: «Primeiro, é preciso saber de onde vem a massa».
Antes das declarações finais, Nobre ainda fez uma pequena provocação, citando Miguel Torga, um poeta que andou na boca de Alegre, na campanha de 2006, insistindo que o adversário era um politico acomodado.
Resposta: «Nunca fui uma pessoa acomodada. Estou preparado para dialogar com todos, com os parceiros sociais». Finalmente, Alegre atacaou Cavaco: «Os portugueses estão cansados de discursos sem chama. Uma nação não é só numeros. Precisa de um Presidente que garanta os direitos fundamentais».
Teatral, Nobre virou pediu para falar directamente aos portugueses. «Sou livre e independente», disse, mas «exigente». «Não estou para continuar percursos que nos conduziram a um beco». E pediu aos jovens que «não se acomodem e que ousem sonhar».
Estava terminado o 'derby da esquerda socialista'. Sem gritos mas com bastante combatividade verbal.
In SOL, 22/12/2010
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