dimanche 24 octobre 2010

"Toda a gente sabe que o PR tem andado em pré-campanha"

Como é possível ser candidato a PR de dois partidos quando um apresenta este Orçamento do Estado (PS) e o outro (BE) declaradamente vai votar contra?
É uma boa pergunta. Mas eles estão de acordo na minha eleição como presidente, acham que sou um presidente que corresponde melhor à situação do País.
A dinâmica social que está por trás desses dois sentidos de voto não vai causar-lhe problemas no terreno?
Não. Primeiro, eles acham que posso ser um presidente mais justo, mais solidário, mais aberto, mais humanista, com uma visão política diferente, menos conservadora. Aí há uma concordância dos dois partidos. Aquilo que tenho visto no terreno - e quem for à minha sede pode comprová-lo - é que há uma excelente colaboração entre militantes do PS, do Bloco e sobretudo aqueles que estão na origem da minha candidatura, os independentes.
Quem lá está só fala da eleição presidencial, não fala de mais nada?
Não! Na minha presença, pelo menos, não.
Acredita que os eleitores vão continuar a considerar, como há quatro anos, a sua candidatura suprapartidária, agora que tem o apoio de dois partidos?
Mas é que ela é suprapartidária mesmo, não negociei nada com ninguém! Anunciei a minha disponibilidade sem dizer nada a ninguém, formalizei a minha candidatura sem pedir autorização a ninguém. Sou um homem independente, livre, penso pela minha cabeça - a minha vida responde por isso - e faço o meu discurso mesmo que desagrade às forças políticas que me apoiam. Estou aqui a dizer coisas que se calhar desagradam ao PS e outras que desagradam ao Bloco, mas digo aquilo que penso, e essa é a função de um presidente da República.
A eventual recandidatura de Cavaco Silva foi anunciada de forma inédita por Marcelo Rebelo de Sousa na televisão. Acha que foi um anúncio encomendado?
Eu anunciei a minha própria candidatura, não pedi a ninguém para a anunciar. Das duas, uma: se foi o PR que pediu ao Marcelo Rebelo de Sousa, é um facto insólito, estapafúrdio, mas nem quero acreditar nisso. Acho que isto é mais uma daquelas brincadeiras a que já nos habituou o professor Marcelo Rebelo de Sousa e que, aliás, fazem o seu encanto.
As sondagens continuam a mostrar que ainda está longe de uma vitória. Como espera inverter essa tendência favorável ao actual Presidente Cavaco Silva?
Da última vez fiquei a menos de 30 mil votos da segunda volta. Desta vez tenho vindo paulatinamente a subir - a última sondagem da Aximage já me punha 37%. Todas as sondagens, a Eurosondagem, a Aximage e Intercampus, com números diferentes, têm um mesmo sentido: o professor Cavaco Silva a baixar três ou quatro pontos e eu a subir três ou quatro. A campanha propriamente ainda não começou, andamos em pré-campanha, sobretudo o Senhor Presidente...
É por isso que acha que ele não fez, como disse no princípio desta entrevista, tanto quanto devia fazer para tentar encontrar um entendimento para o próximo Orçamento?
Não quero julgá-lo, a vida dele também não é fácil. Mas acho que ele devia ter-se concentrado mais.
No fundo, está a tentar dizer-me que o presidente da República tem estado em pré-campanha nestas últimas semanas?
Isso toda a gente sabe, os jornalistas também. O Senhor Presidente visitou praticamente todos os seus bastiões eleitorais.
Pareceu-me vê-lo vacilar aqui há uns meses, antes de o PS ter dado o apoio à sua candidatura. Não teria avançado se esse apoio lhe tivesse faltado?
Já tinha avançado.
Mas teria continuado?
Com certeza que teria continuado. Sou do PS, e alegra-me saber que o PS me dá o seu apoio. Agora, de um ponto de vista da candidatura em si, tal como estão as coisas, não sei se seria difícil, se seria mais fácil. De qualquer maneira decidi antes.
As dúvidas que o PS teve durante algum tempo têm a ver com as resistências que um histórico como o ex-PR Mário Soares colocou ao apoio do partido a si?
Não, acho que não. Tem a ver com dúvidas que são legítimas da parte de pessoas da direcção do PS, talvez por algumas marcas da última eleição. Tenho camaradas meus da direcção que reconhecem que se enganaram e que deviam ter apoiado a minha candidatura. Tem a ver porventura com alguns votos que tive na Assembleia da República ou com o meu comportamento como deputado. Mas sempre agi assim. Nunca votei nenhuma revisão constitucional! No Governo do bloco central fui eu, o Mário Cardia, que já cá não está, e outros, que votámos contra a lei de segurança interna(1). Tive nessa altura também um conflito com Mário Soares e Salgado Zenha por causa disso. Eu dizia ao Mário Soares "você não leu a lei!". Mais tarde ele num congresso disse "ainda bem que Manuel Alegre votou desta maneira porque eu realmente não tinha lido a lei". Isto é verdade, é história. Está escrito.
Já não espera o apoio desse seu antigo amigo?
Somos homens livres, vacinados e adultos, travámos muitas batalhas juntos. Isso fica à consciência de cada um. O que assinalo é que nestas coisas é preciso ter uma posição clara. Jorge Sampaio teve uma posição muito clara, não era obrigado a isso. Veio dar-me o seu apoio duas vezes, teve aquele almoço comigo sem qualquer ambiguidade, porque há momentos na vida em que temos de saber de que lado estamos. Isto vai ser uma batalha esquerda/direita, a esquerda democrática e a direita, em que está o PS de um lado, o PSD do outro. Está um candidato do centro conservador, Cavaco Silva, e um candidato de centro-esquerda e da esquerda democrática, que sou eu. É preciso saber de que lado se está. Jorge Sampaio, ex-presidente da República, disse-o claramente sem ambiguidades. Agora cada um faz o que a sua consciência lhe dita.
A esquerda parece muito dividida, a direita não avança candidato, e ao centro está Cavaco Silva. Está só ao centro ou também está à direita?
Acho que está no centro-direita. Mas porque não avança a direita com nenhum candidato?
Qual a sua tese?
Tem medo de perder. Acho que houve uma fractura, em parte, do eleitorado de Cavaco Silva por causa do voto sobre o casamento das pessoas do mesmo género. Houve ali, de facto, uma grande irritação, e não tenho dúvida nenhuma de que havia vontade... Ribeiro e Castro estava com vontade de avançar, a um certo momento creio que Santana Lopes estava com vontade de avançar.
Acha que houve negociações no sentido de travar essas tomadas de posição?
Houve uma grande pressão para travar, com medo de perderem as eleições. Porque há um risco de perderem as eleições. Cavaco Silva é o presidente que se recandidata - ele parte mais baixo.
A actual divisão da esquerda, com estas candidaturas, joga a favor ou contra si?
O Partido Comunista (PCP) apresenta sempre um candidato em todas as eleições. Umas vezes desiste, outras não. Mas acho que é útil que apresente, porque há uma parte do eleitorado do PCP que só o PCP é capaz de mobilizar.
E acharia útil que desistisse?
Sei, e costumo dizer, que nunca se perdeu uma eleição presidencial por causa do PCP. Nomeadamente, Mário Soares ganhou a segunda volta com uma extraordinária disciplina de voto do PCP, que fez um congresso extraordinário, convocado por Álvaro Cunhal. Portanto, compete-lhes a eles decidir. Quanto aos outros candidatos, tenho uma relação muito cordial com o Defensor de Moura, acho que aquilo é um problema regional, não é um inimigo nem é um adversário se ele conseguir alguns votos. Em relação ao outro [Fernando Nobre], não sei. Francamente, não sei nem quero pronunciar-me. A única coisa que digo é que nunca tive nenhum problema pessoal com ele, julguei que era uma pessoa muito cordial, mas ele desde o princípio, desde a apresentação da candidatura, sempre teve uma atitude...
Fernando Nobre?
Sim... Tem sido de uma extrema agressividade em relação a mim, não sei se em nome próprio, se em nome de alguém.
Há comentadores que conseguem ver o dedo de Mário Soares por trás da candidatura, é isso que está a tentar dizer?
Não estou a tentar dizer porque não estou lá dentro. Já li isso, há muita gente a dizer isso.
Mas acredita nessa tese?
Não quero falar disso, ponto final.
Diz também que a sua é uma candidatura de inclusão. Acredita que conseguirá ganhar votos ao centro e até um pouco à direita, que são aqueles de que precisa para ganhar as eleições?
Acredito, tenho comigo pessoas de direita. A candidatura presidencial é muito transversal, tem muito a ver com empatias ou com antipatias, e há pessoas de direita, até monárquicos, até gente do CDS e do PSD, gente que subscreveu já da outra vez a minha candidatura! Claro que é residual.
Qual o racional político por baixo dessa abrangência toda?
Em política, o factor afectivo e o factor irracional às vezes sobrepõem-se ao racional. Mas há uma lógica: vai ser um confronto entre duas visões do mundo, uma mais conservadora e outra mais à esquerda.
Acha que vai conseguir juntar José Sócrates e Francisco Louçã no mesmo palco?
(risos) Acho que não vai ser necessário. Um e outro estão juntos no apoio à minha candidatura e estão sem reservas. Testemunho isso. O importante é que eles apoiem a minha candidatura. Agora, não é preciso que estejam no mesmo palco. Quem tem estado no palco é o candidato.

(1) Segurança interna - Alegre votou contra a lei de segurança interna do Governo PS/PSD de 1983-85. Voltou a opor- -se a um diploma desta natureza em 2008
in DN, por JOÃO MARCELINO, 24/10/2010

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