Aos 74 anos, opoeta e ex-deputado tenta pela segunda vez a eleição presidencial, agora com apoio partidário. Queixa-se de a sua campanha estar a ser ignorada nos media e diz que «não se candidata para preservar o Governo do PS».
26 de Novembro de 2010
Como está a correr a campanha?
Muito bem, mas tem sido boicotada. Há uma tentativa de desvalorizar esta campanha. Isso é evidente. Mas eu não aceito que a comunicação social continue a ignorar os jantares com 500 e 600 pessoas que temos feito. Como é? Estou outra vez na clandestinidade?
Fez campanha no dia da greve?
Não houve acções de campanha nesse dia. Por uma questão de respeito.
Teve uma posição um pouco tímida relativamente a esta greve.
Não vamos voltar a esse assunto! Qual timidez, qual carapuça. Já foram perguntar ao Cavaco Silva se ele apoiou a greve geral? Eu sou um candidato à Presidência da República, tenho sentido de Estado e de responsabilidade. Por isso, reuni com as duas centrais sindicais e disse tudo o que tinha a dizer, como candidato de esquerda. Esta greve é um facto sindical, político e democrático novo, num contexto novo. E pode criar uma dinâmica útil à democracia. É um alerta para a sociedade.
Em 2005 não teve o apoio do PS e do Governo, agora tem. Articula o seu discurso com eles? Não se sente mais constrangido?
Não articulo, nem negoceio nada com ninguém. Anunciei a minha disponibilidade sem consultar ninguém, formalizei a candidatura sem consultar ninguém. Sou candidato à Presidência, sou livre e sou independente. Como sempre fui, mesmo dentro do próprio PS.
No contacto que tem tido com as pessoas, como explica os sacrifícios que lhes são impostos?
Ao fim de 30 anos de democracia, é difícil as pessoas suportarem um certo tipo de sacrifícios, sobretudo quando não se lhes dá um sentido para esses sacrifícios. E um horizonte. A democracia avalia-se pelos resultados concretos e pelas melhorias que traz para a vida das pessoas. Se a vida se transforma em recessão, desemprego e falta de horizontes, é a democracia que fica em risco. Por outro lado, as pessoas estão muito descrentes dos políticos e da política. Mas eu não me envergonho de ser político. É uma das divergências que tenho com Cavaco Silva: ele apresenta-se como um não-político candidatando-se a um cargo político. Isso é mau. Vamos todos assumir as nossas responsabilidades. E dizer a verdade às pessoas. Eu digo que não é suportável que este ano seja difícil e que o próximo seja mais. Digo que é preciso mudar de paradigma e de políticas.
E mudar de políticos também?
Sim, mudar alguns políticos.
Os que estão no poder?
Isso é o povo que decide, mas com certeza também alguns que estão no poder.
O Governo está a dar o exemplo do que está a pedir às pessoas?
Compreendo que queiram fazer de mim um candidato contra o Governo, mas eu já fui deputado e tomei as atitudes que tomei. Neste momento, o meu adversário é só o actual Presidente da República.
Cavaco Silva parece não estar aberto a debates na televisão. Vai participar na mesma?
Isso é porque ele tem medo do debate. Não gosta da incomodidade que é a democracia.
E fica surpreendido? Da outra vez, ele aceitou.
Agora, é Presidente da República. É por isso. Mas vai ser difícil não aceitar. Acho que lhe fica mal, mostra que não gosta de contraditório. Aliás, acho que, neste momento, há uma confusão entre a função presidencial e a de candidato.
Corremos o risco de ter campanha apenas no período oficial?
De facto, acho que não querem que a campanha exista. A direita tem medo que haja segunda volta porque está convencida que Cavaco perde. Precisa que ele seja eleito logo, para que seja posto em prática o projecto que lhe está subjacente.
E qual é?
O que é preciso saber é o que fará o Presidente da República eleito se se puserem em causa determinados serviços públicos. Eu já disse o que farei: para mim, não é precisa nenhuma revisão constitucional. Além disso, defendo que, em democracia, os direitos sociais e políticos são inseparáveis, e que, se se esvaziam os direitos sociais, os direitos políticos ficam enfraquecidos. Agora, e ele? Ainda não disse nada sobre isso. Por outro lado, ele cometeu um erro de interpretação sobre o que é a função presidencial. O conceito de cooperação estratégica deixa subentendido uma ideia de partilha da função executiva. Isso corresponde ao perfil dele, que é um executivo. Mas o PR não é um tutor do primeiro-ministro, nem um ‘super-_-PM’. Ele criou a ilusão de que, por ser economista, resolvia os problemas. Mas não resolveu nada. E onde devia falar, teve uma atitude conformista, de aluno bem comportado.
Cavaco diz que fez vários alertas, mas não foi ouvido.
Fez a quem? Se não o ouviram, falhou redondamente. Porque o PR deve ser ouvido. Então, ele também é responsável por esta crise. E onde era preciso fazer ouvir a voz do PR, ele não se fez ouvir. Se calhar, acha que os mercados e as empresas de rating até têm razão na apreciação que fazem da nossa economia.
O Governo devia ter actuado mais cedo perante os sinais óbvios da crise?
[Silêncio] Porventura, sim. Mas o Presidente também devia ter actuado mais cedo, na convocação dos partidos, do Conselho de Estado e dos parceiros sociais. Devia ter actuado mais cedo também junto das instâncias internacionais e junto da Europa. Sobretudo junto de Angela Merkel e de Sarkozy. Aí, é que ele devia ter actuado, em conjugação com o Governo. Não era só junto do ministro das Finanças.
Tem dito que não promulgará nada com que não concordar. Se o FMI pressionar Portugal a aprovar medidas mais drásticas, o que é que o PR pode fazer?
Eu defendo a Constituição. Pode haver restrições ou alterações, mas eu veto a privatização do SNS, da escola pública e da segurança social. Veto também o fim da justa causa na lei laboral.
Partilha a opinião de António Costa que disse que, se Cavaco for eleito, há o risco de vir a dissolver o Parlamento?
Há esse risco. Mas eu não me candidato para defender este ou qualquer outro governo. A minha questão é o que fazer caso haja um governo que ponha em causa os direitos sociais. Esse é um problema que só um Presidente em funções, perante os dados que tem na mão, pode responder. Eu não me candidato para preservar o Governo do PS mas também não posso dizer que não vou dissolver a AR. Não sei se não vou ser obrigado a isso. Candidato-me, sim, contra o projecto de destruição do Estado Social. E Cavaco ainda não disse se é a favor ou se é contra isso.
Avançaria para um Governo de iniciativa presidencial?
Sou contra soluções carácter administrativo, que não passem pelos mecanismos democráticos. Seja como for, neste momento, essa questão não se põe: o Governo não foi demitido nem censurado, e não há vontade de coligações por parte de nenhum partido. Aliás, é por isso que não percebo aquela proposta do Luís Amado.
Um primeiro-ministro tem sempre de ser sufragado pelos votos?
Tem que ter o apoio do Parlamento. Mas não vai acreditar que o PS aceitaria a substituição de Sócrates por qualquer outro PM, pois não?
Bom... Quando aparece um ministro a falar em coligações, outro em remodelação, se calhar é o que o PS quer.
Neste momento, o Presidente não pode fazer nada. E não pode substituir-se aos partidos. Esse é um falso problema, que minimiza a importância da eleição presidencial, quando sabemos que a forma e o conteúdo da nossa democracia vão depender muito do resultado da eleição.
Mário Soares tem feito elogios públicos ao PR. Surpreenderia-o se acabasse por apoiar Cavaco?
Nada em política me surpreende. Esse não é um problema meu. Isso tem a ver com a consciência de cada um e do lugar que quer ter na história. Esta eleição pode ser muito bipolarizada como foi a eleição dele. Mário Soares deve a sua vitória à mobilização do PS mas também ao PCP, que convocou um congresso extraordinário para o apoiar. Ele agora decidirá que partido quer tomar, de que lado quer estar.
O primeiro-ministro vai ou não participar na campanha?
Vai, assim como Louçã.
E os ministros? É importante que participem?
Aqueles que eu escolhi [para a Comissão Política da candidatura]. De resto, não vejo necessidade de aparecerem mais.
E Teixeira dos Santos? Já disse que ele não devia aparecer…
Isso foi uma brincadeira. A minha candidatura é livre, e quem quiser aparecer pode aparecer. Mas até acho que ele não vai querer aparecer. Tem mais que fazer.
‘Se fosse Presidente, teria chamado o PM’
Como vê a antecipação de dividendos da PT, depois de o primeiro-ministro ter dito que tinha dado instruções para que isso não acontecesse?
É uma das coisas que provoca maior revolta às pessoas, e que tenho notado na volta pelo país. Não se pode pedir sacrifícios às pessoas – corte de salários, pensões congeladas, etc. – e depois acontece uma coisas destas. Cria uma revolta brutal. Se fosse PR, teria chamado a administração da PT, o ministro das Finanças e o primeiro-ministro e perguntava: ‘Então, como é?’
Criticou muito um encontro recente entre Cavaco e os banqueiros. Ficou chocado?
Eu teria ouvido também os sindicatos e os parceiros sociais. Não são os banqueiros que vão dizer como deve ser. Isso comigo não será assim. Direi sobretudo aos banqueiros que a função social dos bancos é financiar a economia, não é estar a ligar para casa das pessoas a oferecer cartões e cheques.
Concorda com as portagens nas SCUT?
Não concordo com situações de desigualdade, contraditórias e díspares. Tenho dificudade em perceber, e os utentes também têm, por que nuns sitios se paga e noutros não. Há situações estapafúrdias, mas não é um problema que conheça muito bem.
É a favor do levantamento do sigilo bancário?
Esse é um instrumento poderoso de combate à corrupção. Mas a minha tendência é para pensar que deve haver uma abertura gradual. Seria uma maneira de saber a origem de certas fortunas e dinheiros, sem alterar o ónus da prova. Quem não deve, não teme. Mas, claro, este é um país com muita mesquinhez e uma certa tendência para a bufaria – tenho que o dizer com uma certa tristeza.
O PGR deve ter mais poderes?
Não, acho que tem os suficientes. Agora, tem é que se acabar com as guerras corporativas dentro da Justiça. É um dos mais graves problemas da democracia. Um dos mais graves problemas com que é confrontado o Presidente – que não pode andar sempre a dizer ‘eu não me pronuncio’. A arma do PR é a palavra e a opinião. E a situação na Justiça exige um pacto de regime alargado, entre PR, órgãos de soberania e todos os partidos políticos. O PR pode promover e liderar isso.
‘A adopção por casais gaycausa-me engulhos’
Os submarinos são necessários ou deviamos revendê-los?
Nós precisamos mais é de lanchas rápidas e helicópteros, para a fiscalização da costa. Mas acho que, em vez deles, eram precisas outras coisas. Talvez vendesse os submarinos para termos melhor Serviço Nacional de Saúde, melhor escola pública, mais qualificação. Mas isto também tem alguma demagogia, por vezes...
Concorda com o fim dos chumbos na educação?
Sou contra o facilistismo. A escola pública deve ser exigente e de qualidade. Eu fui educado assim, com os chumbos e com a avaliação. Posso ser conservador, mas quem não estuda deve sofrer as consequências de não estudar.
É a favor da adopção por casais homossexuais?
Depois de aprovado o casamento homossexual, independentemente da opinião pessoal, a adopção é inevitável. Eu sou de outra geração. A adopção sempre me pôs mais problemas, mais engulhos do que o resto. Não tenho um preconceito, mas penso nas crianças. As crianças são muito cruéis... Mas pode ser que a sociedade mude muito. Seja como for, sou pelas liberdades e pela eliminação das discriminações.
Votaria a favor de uma lei que proibisse a utilização de burcas?
Votaria pela proibição, como fez a República Francesa. A burca é uma coisa humilhante para a mulher na nossa sociedade e com os nossos valores. Noutras sociedades também é proibida a cruz, não é? Acho que não estou a dar uma resposta muito popular, mas seria contra a utilização da burca, sim.
Os ricos devem pagar mais no Serviço Nacional de Saúde?
Não. O SNS é universal e tendencialmente gratuito. Um rico tem direito a ele, tanto como qualquer pobre.
A Constituição devia deixar em aberto a forma de regime?
[Risos] A monarquia não deixou em aberto a forma de regime. Foi preciso fazer uma revolução para as coisas mudarem. Mas acho que não há nenhuma questão de regime em Portugal. De qualquer modo, não tenho medo da democracia. Não vou defender isso, mas não teria medo.
In Sol, Foto de Susana Jorge.26 de Novembro de 2010
Como está a correr a campanha?
Muito bem, mas tem sido boicotada. Há uma tentativa de desvalorizar esta campanha. Isso é evidente. Mas eu não aceito que a comunicação social continue a ignorar os jantares com 500 e 600 pessoas que temos feito. Como é? Estou outra vez na clandestinidade?
Fez campanha no dia da greve?
Não houve acções de campanha nesse dia. Por uma questão de respeito.
Teve uma posição um pouco tímida relativamente a esta greve.
Não vamos voltar a esse assunto! Qual timidez, qual carapuça. Já foram perguntar ao Cavaco Silva se ele apoiou a greve geral? Eu sou um candidato à Presidência da República, tenho sentido de Estado e de responsabilidade. Por isso, reuni com as duas centrais sindicais e disse tudo o que tinha a dizer, como candidato de esquerda. Esta greve é um facto sindical, político e democrático novo, num contexto novo. E pode criar uma dinâmica útil à democracia. É um alerta para a sociedade.
Em 2005 não teve o apoio do PS e do Governo, agora tem. Articula o seu discurso com eles? Não se sente mais constrangido?
Não articulo, nem negoceio nada com ninguém. Anunciei a minha disponibilidade sem consultar ninguém, formalizei a candidatura sem consultar ninguém. Sou candidato à Presidência, sou livre e sou independente. Como sempre fui, mesmo dentro do próprio PS.
No contacto que tem tido com as pessoas, como explica os sacrifícios que lhes são impostos?
Ao fim de 30 anos de democracia, é difícil as pessoas suportarem um certo tipo de sacrifícios, sobretudo quando não se lhes dá um sentido para esses sacrifícios. E um horizonte. A democracia avalia-se pelos resultados concretos e pelas melhorias que traz para a vida das pessoas. Se a vida se transforma em recessão, desemprego e falta de horizontes, é a democracia que fica em risco. Por outro lado, as pessoas estão muito descrentes dos políticos e da política. Mas eu não me envergonho de ser político. É uma das divergências que tenho com Cavaco Silva: ele apresenta-se como um não-político candidatando-se a um cargo político. Isso é mau. Vamos todos assumir as nossas responsabilidades. E dizer a verdade às pessoas. Eu digo que não é suportável que este ano seja difícil e que o próximo seja mais. Digo que é preciso mudar de paradigma e de políticas.
E mudar de políticos também?
Sim, mudar alguns políticos.
Os que estão no poder?
Isso é o povo que decide, mas com certeza também alguns que estão no poder.
O Governo está a dar o exemplo do que está a pedir às pessoas?
Compreendo que queiram fazer de mim um candidato contra o Governo, mas eu já fui deputado e tomei as atitudes que tomei. Neste momento, o meu adversário é só o actual Presidente da República.
Cavaco Silva parece não estar aberto a debates na televisão. Vai participar na mesma?
Isso é porque ele tem medo do debate. Não gosta da incomodidade que é a democracia.
E fica surpreendido? Da outra vez, ele aceitou.
Agora, é Presidente da República. É por isso. Mas vai ser difícil não aceitar. Acho que lhe fica mal, mostra que não gosta de contraditório. Aliás, acho que, neste momento, há uma confusão entre a função presidencial e a de candidato.
Corremos o risco de ter campanha apenas no período oficial?
De facto, acho que não querem que a campanha exista. A direita tem medo que haja segunda volta porque está convencida que Cavaco perde. Precisa que ele seja eleito logo, para que seja posto em prática o projecto que lhe está subjacente.
E qual é?
O que é preciso saber é o que fará o Presidente da República eleito se se puserem em causa determinados serviços públicos. Eu já disse o que farei: para mim, não é precisa nenhuma revisão constitucional. Além disso, defendo que, em democracia, os direitos sociais e políticos são inseparáveis, e que, se se esvaziam os direitos sociais, os direitos políticos ficam enfraquecidos. Agora, e ele? Ainda não disse nada sobre isso. Por outro lado, ele cometeu um erro de interpretação sobre o que é a função presidencial. O conceito de cooperação estratégica deixa subentendido uma ideia de partilha da função executiva. Isso corresponde ao perfil dele, que é um executivo. Mas o PR não é um tutor do primeiro-ministro, nem um ‘super-_-PM’. Ele criou a ilusão de que, por ser economista, resolvia os problemas. Mas não resolveu nada. E onde devia falar, teve uma atitude conformista, de aluno bem comportado.
Cavaco diz que fez vários alertas, mas não foi ouvido.
Fez a quem? Se não o ouviram, falhou redondamente. Porque o PR deve ser ouvido. Então, ele também é responsável por esta crise. E onde era preciso fazer ouvir a voz do PR, ele não se fez ouvir. Se calhar, acha que os mercados e as empresas de rating até têm razão na apreciação que fazem da nossa economia.
O Governo devia ter actuado mais cedo perante os sinais óbvios da crise?
[Silêncio] Porventura, sim. Mas o Presidente também devia ter actuado mais cedo, na convocação dos partidos, do Conselho de Estado e dos parceiros sociais. Devia ter actuado mais cedo também junto das instâncias internacionais e junto da Europa. Sobretudo junto de Angela Merkel e de Sarkozy. Aí, é que ele devia ter actuado, em conjugação com o Governo. Não era só junto do ministro das Finanças.
Tem dito que não promulgará nada com que não concordar. Se o FMI pressionar Portugal a aprovar medidas mais drásticas, o que é que o PR pode fazer?
Eu defendo a Constituição. Pode haver restrições ou alterações, mas eu veto a privatização do SNS, da escola pública e da segurança social. Veto também o fim da justa causa na lei laboral.
Partilha a opinião de António Costa que disse que, se Cavaco for eleito, há o risco de vir a dissolver o Parlamento?
Há esse risco. Mas eu não me candidato para defender este ou qualquer outro governo. A minha questão é o que fazer caso haja um governo que ponha em causa os direitos sociais. Esse é um problema que só um Presidente em funções, perante os dados que tem na mão, pode responder. Eu não me candidato para preservar o Governo do PS mas também não posso dizer que não vou dissolver a AR. Não sei se não vou ser obrigado a isso. Candidato-me, sim, contra o projecto de destruição do Estado Social. E Cavaco ainda não disse se é a favor ou se é contra isso.
Avançaria para um Governo de iniciativa presidencial?
Sou contra soluções carácter administrativo, que não passem pelos mecanismos democráticos. Seja como for, neste momento, essa questão não se põe: o Governo não foi demitido nem censurado, e não há vontade de coligações por parte de nenhum partido. Aliás, é por isso que não percebo aquela proposta do Luís Amado.
Um primeiro-ministro tem sempre de ser sufragado pelos votos?
Tem que ter o apoio do Parlamento. Mas não vai acreditar que o PS aceitaria a substituição de Sócrates por qualquer outro PM, pois não?
Bom... Quando aparece um ministro a falar em coligações, outro em remodelação, se calhar é o que o PS quer.
Neste momento, o Presidente não pode fazer nada. E não pode substituir-se aos partidos. Esse é um falso problema, que minimiza a importância da eleição presidencial, quando sabemos que a forma e o conteúdo da nossa democracia vão depender muito do resultado da eleição.
Mário Soares tem feito elogios públicos ao PR. Surpreenderia-o se acabasse por apoiar Cavaco?
Nada em política me surpreende. Esse não é um problema meu. Isso tem a ver com a consciência de cada um e do lugar que quer ter na história. Esta eleição pode ser muito bipolarizada como foi a eleição dele. Mário Soares deve a sua vitória à mobilização do PS mas também ao PCP, que convocou um congresso extraordinário para o apoiar. Ele agora decidirá que partido quer tomar, de que lado quer estar.
O primeiro-ministro vai ou não participar na campanha?
Vai, assim como Louçã.
E os ministros? É importante que participem?
Aqueles que eu escolhi [para a Comissão Política da candidatura]. De resto, não vejo necessidade de aparecerem mais.
E Teixeira dos Santos? Já disse que ele não devia aparecer…
Isso foi uma brincadeira. A minha candidatura é livre, e quem quiser aparecer pode aparecer. Mas até acho que ele não vai querer aparecer. Tem mais que fazer.
‘Se fosse Presidente, teria chamado o PM’
Como vê a antecipação de dividendos da PT, depois de o primeiro-ministro ter dito que tinha dado instruções para que isso não acontecesse?
É uma das coisas que provoca maior revolta às pessoas, e que tenho notado na volta pelo país. Não se pode pedir sacrifícios às pessoas – corte de salários, pensões congeladas, etc. – e depois acontece uma coisas destas. Cria uma revolta brutal. Se fosse PR, teria chamado a administração da PT, o ministro das Finanças e o primeiro-ministro e perguntava: ‘Então, como é?’
Criticou muito um encontro recente entre Cavaco e os banqueiros. Ficou chocado?
Eu teria ouvido também os sindicatos e os parceiros sociais. Não são os banqueiros que vão dizer como deve ser. Isso comigo não será assim. Direi sobretudo aos banqueiros que a função social dos bancos é financiar a economia, não é estar a ligar para casa das pessoas a oferecer cartões e cheques.
Concorda com as portagens nas SCUT?
Não concordo com situações de desigualdade, contraditórias e díspares. Tenho dificudade em perceber, e os utentes também têm, por que nuns sitios se paga e noutros não. Há situações estapafúrdias, mas não é um problema que conheça muito bem.
É a favor do levantamento do sigilo bancário?
Esse é um instrumento poderoso de combate à corrupção. Mas a minha tendência é para pensar que deve haver uma abertura gradual. Seria uma maneira de saber a origem de certas fortunas e dinheiros, sem alterar o ónus da prova. Quem não deve, não teme. Mas, claro, este é um país com muita mesquinhez e uma certa tendência para a bufaria – tenho que o dizer com uma certa tristeza.
O PGR deve ter mais poderes?
Não, acho que tem os suficientes. Agora, tem é que se acabar com as guerras corporativas dentro da Justiça. É um dos mais graves problemas da democracia. Um dos mais graves problemas com que é confrontado o Presidente – que não pode andar sempre a dizer ‘eu não me pronuncio’. A arma do PR é a palavra e a opinião. E a situação na Justiça exige um pacto de regime alargado, entre PR, órgãos de soberania e todos os partidos políticos. O PR pode promover e liderar isso.
‘A adopção por casais gaycausa-me engulhos’
Os submarinos são necessários ou deviamos revendê-los?
Nós precisamos mais é de lanchas rápidas e helicópteros, para a fiscalização da costa. Mas acho que, em vez deles, eram precisas outras coisas. Talvez vendesse os submarinos para termos melhor Serviço Nacional de Saúde, melhor escola pública, mais qualificação. Mas isto também tem alguma demagogia, por vezes...
Concorda com o fim dos chumbos na educação?
Sou contra o facilistismo. A escola pública deve ser exigente e de qualidade. Eu fui educado assim, com os chumbos e com a avaliação. Posso ser conservador, mas quem não estuda deve sofrer as consequências de não estudar.
É a favor da adopção por casais homossexuais?
Depois de aprovado o casamento homossexual, independentemente da opinião pessoal, a adopção é inevitável. Eu sou de outra geração. A adopção sempre me pôs mais problemas, mais engulhos do que o resto. Não tenho um preconceito, mas penso nas crianças. As crianças são muito cruéis... Mas pode ser que a sociedade mude muito. Seja como for, sou pelas liberdades e pela eliminação das discriminações.
Votaria a favor de uma lei que proibisse a utilização de burcas?
Votaria pela proibição, como fez a República Francesa. A burca é uma coisa humilhante para a mulher na nossa sociedade e com os nossos valores. Noutras sociedades também é proibida a cruz, não é? Acho que não estou a dar uma resposta muito popular, mas seria contra a utilização da burca, sim.
Os ricos devem pagar mais no Serviço Nacional de Saúde?
Não. O SNS é universal e tendencialmente gratuito. Um rico tem direito a ele, tanto como qualquer pobre.
A Constituição devia deixar em aberto a forma de regime?
[Risos] A monarquia não deixou em aberto a forma de regime. Foi preciso fazer uma revolução para as coisas mudarem. Mas acho que não há nenhuma questão de regime em Portugal. De qualquer modo, não tenho medo da democracia. Não vou defender isso, mas não teria medo.
Entrevista por Graça Rosendo e Helena Pereira
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