mardi 16 novembre 2010

Há um combate politico que Portugal tem que travar



Portugal precisa de um Presidente que se faça ouvir, disse Manuel Alegre em entrevista ao Expresso, explicando que há “um combate político que Portugal tem de travar”. Perante o novo eixo franco-alemão, afirma que “somos parceiros iguais da UE” e que “é grave que o PR tenha a posição de resignação e de conformismo em relação aos mercados”. “Merkel ameaça os credores, o que aumenta o risco” e faz subir os juros. “Isso é do domínio político, não é dos mercados”, diz Manuel Alegre.
As presidenciais podem ser vítimas da crise? Não. As pessoas começam a perceber que as presidenciais não são a segunda volta das legislativas nem a primeira de eventuais legislativas antecipadas. São eleições estratégicas e importantes por si mesmas. E o seu resultado vai condicionar muito do futuro político do país. Isso significa que se Cavaco Silva for reeleito há legislativas em 2011? Significa que há um projecto estratégico, um programa que põe em causa muito do conteúdo social da nossa democracia e se houver eleições antecipadas pode haver um novo ciclo político, uma nova maioria. Pelas suas convicções, prática política, ideologia, Cavaco estará mais próximo desse projecto. Denunciou a tentação de Cavaco para a acção executiva. Mas ele tem sido acusado de estar muito à margem... Nós precisamos de um Presidente. Neste momento, não estamos a ter Presidente. Merkel ameaça os credores, o que aumenta o risco. Isso é do domínio político, não é dos mercados. O Presidente tem estado ausente? Tem absoluta falta de comparência. Pelo menos não se dá por ele e este é um combate político que Portugal tem de travar. Somos parceiros iguais da UE, não temos de ter nenhum complexo de inferioridade. Temos de falar e a voz do Presidente é que garante a representação nacional. Estamos a assistir a um eixo neoimperial Berlim-Paris. E devia explicar-se à senhora Merkel que esta posição, não servindo a Europa, não serve a Alemanha. Mas quem se senta no Conselho Europeu, no Ecofin, é o primeiro-ministro e o ministro das Finanças. Não estou a falar de diplomacia paralela mas de uma acção conjugada. A voz do PR é sempre importante, Mário Soares fez isso várias vezes e Jorge Sampaio também. Está a dizer que o PR devia usar todos os meios e poderes que tem? Devia. E não devia dizer o que disse ao Expresso, que “não adianta” protestar contra o FMI e os mercados. Se nos colocarmos nessa posição cada vez nos ligam menos. Com a ameaça aos credores por parte de Merkel há uma tentativa de empurrar os países periféricos: se não aceitam o garrote, saiam. Sente-se menorizado num debate desta natureza com o actual PR? Este debate é político. Mesmo as posições sobre economia são políticas, se não mesmo ideológicas. Um dos problemas do PR é que a sua visão coincide muito com a análise dos mercados. Faria sentido que, no actual contexto de emergência, houvesse um pacto partidário de não-agressão? Isso acontece noutros países. Aqui, não há essa cultura e ela não se impõe por decreto ou obrigação. Sei da dificuldade que há em estabelecer acordo e consensos. Seria mais racional que houvesse esse consenso alargado: se houver um colapso maior todos perdemos. Se passar à segunda volta, será o candidato da voz da rua e do Governo ao mesmo tempo? Sou um homem da esquerda, mas da esquerda moderada. Serei um Presidente democrático, não serei um Presidente de facção. Porque na reeleição de Cavaco, independentemente da sua intenção, há um risco. Qual? Desta vez ele é apoiado mais claramente pelo PSD e pelo CDS. Se não descolar desse projecto teremos um Presidente que deixará de ser de todos os portugueses. Por que é que Cavaco seria um PR de facção e o senhor não? Porque eu tenho uma posição clara sobre aspectos concretos da nossa democracia, o SNS, a escola pública, a segurança social…Qualquer governo que os tente pôr em causa, mesmo que seja o PS, terá a minha oposição. Não sei se Cavaco dá a mesma garantia. Os eleitores podem pensar que se Cavaco pode querer fazer um governo PSD/CDS Manuel Alegre pode querer um governo PS/BE. Não serei mediador disso. Isso compete aos partidos. Não tenho grandes ilusões, sei as divisões e as dificuldades de entendimento que há entre os partidos de esquerda. Já foi um passo em frente que haja várias forças de esquerda a apoiar a minha candidatura. Há uma convergência no propósito de evitar a reeleição de Cavaco Silva. Essa convergência tem funcionado? Tem. A reunião da Comissão Política foi interessantíssima, pela compreensão dessas diferenças. As eleições calham no primeiro mês em que as pessoas recebem menos. Dois ou três dias depois. Isso pode penalizar toda a gente. E eu não sou governo nem fui Presidente da República. Cavaco reuniu tarde demais o Conselho de Estado? Fiz essa crítica. Deva tê-lo convocado antes como se devia ter pronunciado antes. É grave que o PR tenha a posição de resignação e de conformismo em relação aos mercados. Precisávamos de um Presidente. Os portugueses estão muito angustiados, os jovens nomeadamente. É uma das coisas que me afligem muito e me dão vontade de entrar neste combate político. É preciso que eles tomem nas mãos os seus destinos, que se revoltem! Como? Partindo montras? Pode acontecer mas há outras maneiras. Falo pela minha experiência: no meu tempo, por força das circunstâncias da ditadura, tínhamos uma visão mais colectiva e organizada. A juventude, hoje, está mais fragmentada, o que dificulta o protesto e a acção reivindicativa. E nesta situação falta Presidente. Não se viu o Presidente no mundo. Foi aos países lusófonos, mas devia ter arranjado maneira de ir a França e à Alemanha. Neste contexto, a sua mensagem de esperança não corre o risco de ser encarada como uma utopia? Se me diz que acabar com a precariedade ou com estas angústias da juventude é uma utopia então eu digo-lhe: vamos lá fazê-la! As pessoas precisam de um sentido para a vida, precisam mesmo de esperança. Cito muitas vezes Churchill que disse, fazendo um “vê” com os dedos, que “não se pode viver sem esperança”. Às vezes há sinais simbólicos, há gestos, há palavras. Obama disse a Hillary: “As palavras inspiram”. E essa é também a função de um Presidente. A esperança não é divagar, é preciso dar-lhe um conteúdo concreto, apontar soluções. O que não é esperança é a resignação, o conformismo, o niilismo nacional. Um Presidente, além de moderador e regulador, pode ser um promotor de debates, um inspirador de caminhos. Que Cavaco não é? Para mim não é. É muito previsível, falta-lhe chama. Mas porventura há quem veja nisso uma virtude. Marcelo Rebelo de Sousa fez isso com muita inteligência, pegou no discurso de recandidatura, que foi um discurso aborrecido, como dando confiança às pessoas. Eu tenho dúvidas de que Cavaco seja assim tanto um factor de estabilidade, quer política, quer social. Houve momentos em que ele foi um factor de instabilidade: no estatuto dos Açores, nesse mistério para mim insondável das escutas de Belém. “Gostava de saber por que Nobre embirra comigo” Por que é que Fernando Nobre embirra tanto consigo? Isso é que eu gostava de saber. Conheço-o mal, mas sempre tivemos uma relação cordial. Terá a ver com o facto de ambos disputarem o mesmo eleitorado? Não disputamos. Estas eleições vão seu muito mais bipolarizadas, mais do que as outras. Ele foi formatado no sentido de vir fazer o que eu fiz em 2006. E não há o risco de Fernando Nobre ser o Manuel Alegre de 2011? Não. Ele não é Manuel Alegre. A maioria dos candidatos presidenciais está do lado esquerdo do espectro partidário. Isso não é perigoso para si? Não sei de que lado está Nobre, se está do lado esquerdo, se do lado direito, se de lado nenhum: quando se faz uma campanha contra a política e os políticos isso não cidadania! E o PCP sempre apresentou um candidato – e é útil porque há parte do eleitorado que só um candidato comunista mobiliza. Mas em 2006 os votos da esquerda somaram. "É interessante falar com Maria Cavaco Silva sobre poesia” Na última entrevista ao Expresso Cavaco Silva confessou que tem todos os livros de Manuel Alegre, autografados pelo próprio. O escritor e poeta. De novo adversário de Cavaco nas presidenciais de 23 de Janeiro. Confirma: “Um dia Cavaco pediu-me para assinar uns livros para a mulher e passei a enviar-lhos”. “Maria Cavaco Silva é uma pessoa com quem é interessante falar sobre poesia e literatura”, afirma Alegre, confessando que ainda não fez chegar à primeira-dama um exemplar da sua última obra, o autobiográfico “O Miúdo que Pregava Pregos numa Tábua”. Confrontos políticos à parte, assume manter “uma relação cordial” com Cavaco e revela: “Até fui algumas vezes almoçar a Belém. Quando recebi o prémio literário D. Dinis, ele esteve lá como Presidente e fez um discurso que me sensibilizou”. “Se foi eleito, a minha vontade é que seja para um único mandato” Se Sócrates quiser ir a um comício seu vai ou não? Se quiser ir com certeza que sim. E Louça também. Mas não vejo necessidade disso. E deixa Teixeira dos Santos discursar num comício seu? (risos) Acho que ele é suficientemente inteligente e boa pessoa para compreender que não seria um bom serviço que prestaria à minha candidatura. Vai gastar mais ou menos dinheiro nesta campanha? Mais, embora menos do que Cavaco. Em 2006 ele gastou 3 milhões e tal, eu gastei 800 mil. Desta vez ele disse que ia gastar metade de máximo ( 2 milhões e tal), eu vou gastar menos. Concorda com a ideia de não haver oudoors? Não é brilhante. A democracia tem custos e Cavaco volta a fazer um discurso que não me agrada. Sabemos que há crise do sistema político e ele volta a ser “o não político que vai à luta política contra a política”, quando é um político profissional. E vai retirar os seus outdoors? Eu?! Não! A campanha presidencial tem de ter dignidade democrática, implica debates e confronto e também outdoors. Até porque eu não andei a passear como PR por bastiões eleitorais. Acha que Cavaco misturou a Presidência com a campanha? Sem dúvida nenhuma, vi isso no terreno. Ele foi aos seus bastiões eleitorais, houve uma confusão entre a função presidencial e a campanha eleitoral. Todos os presidentes fizeram mais ou menos a mesma coisa, mas ele fez mais intensamente. Deveria ter tido mais recato. Para evitar situações de conflito não faria sentido que o mandato presidencial fosse único? Se eu for eleito, será para mim um mandato único. É a minha vontade, acho que sou capaz de fazer o que quero num mandato. Se ficar abaixo do milhão de votos que teve em 2006 é uma derrota? Perder, nem que seja por um, é uma derrota. Mas acho difícil ficar abaixo do que tive. E chegar à 2ª volta já é uma vitória? É condição de vitória, mas vitória é ganhar a eleição. Não ando aqui para cumprir calendário, se alguma coisa tinha a demonstrar foi na última eleição. As sondagens não lhe dão muita esperança. Conforme. Há uma grande discrepância entre as sondagens. O quadro político e o quadro económico mudaram radicalmente entre o momento em que tomou a decisão de se recandidatar e agora... Sim, o que não quer dizer que não a tomasse na mesma. O combate é agora mais difícil, mas mais necessário. Outros assuntos Orçamento MA: “Há gastos supérfluos absurdos do Estado que deviam ser cortados. Agora, subsídios de alimentação?!” Greve dos magistrados MA: “Legalmente têm direito. Do ponto de vista ético não tenho uma certeza sobre isso.” Corrupção MA: “Cavaco falou algumas vezes e bem. Mas devia ter falado mais, sobretudo sobre determinadas situações e certas impunidades muito visíveis com certos bancos e pessoas” Afinal, quer ou não o envolvimento da direcção do PS na sua campanha? O problema nunca foi esse. Eu fiz foi um alerta no sentido que os partidários, e não só do PS, sensibilizem as pessoas e que eles próprios se dêem conta de que a questão essencial, agora, são as presidenciais.

In Expresso, 13/11/2010

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