É muito difícil entender por que diacho um político profissional com 30 anos de carreira, que foi primeiro-ministro e presidente da República, passa grande parte do seu discurso de recandidatura a dizer que é sério e honesto, que nunca diz mentiras, que não se dedica à intriga política (a despropósito: onde estaria Fernando Lima enquanto Cavaco Silva discursava?), que apenas pensa no País e nunca em si próprio.
Como não poderia deixar de ser, conhecendo nós Cavaco Silva, depois deste exercício de auto-elogio, a que não faltou o quase hilariante "isto está mau, mas estaria muito pior se eu não tivesse mandado uns recadinhos", seguiu-se a costumeira ladainha do "eu não sou político".
O nosso mais relevante e antigo político em actividade sabe muito bem onde quer chegar quando mistura no mesmo discurso a apologia das suas, com certeza óbvias, qualidades pessoais e a mentira descabelada de não ser um político profissional (pronto, o Presidente da República diz sempre a verdade, só desta vez é que não). A associação é evidente: os políticos são todos os tipos pouco sérios, pouco honestos, dizem sempre muitas mentiras, e pensam sempre primeiro neles e depois, se é que chegam a pensar, no País. Ele, como não é político, não tem estes defeitos.
Não há como negar que, como sempre, Cavaco Silva sabe ler os sinais. Ele conhece o tipo de sentimento que muitos portugueses têm pelos políticos. Ele sabe melhor que ninguém o que as crises provocam na relação entre os cidadãos e os seus representantes.
No fundo, o candidato Cavaco Silva não hesita em colaborar com a campanha contra os políticos se isso lhe trouxer mais uns milhares de votos.
Não sendo suficientemente graves os actos e palavras de alguns actores políticos sempre dispostos a sacrificar o prestígio da sua classe em função duma qualquer vantagem circunstancial, as declarações de juízes que afirmam sem qualquer tipo de pejo que uma das suas funções é fiscalizar o comportamento dos políticos - pensava eu que era única e exclusivamente fazer cumprir a lei -, ainda vem o mais importante político português contribuir para o desprestígio e para a descredibilização da classe de que depende o funcionamento da democracia.
O Presidente da República sabe que vivemos num período em que se pede grandes sacrifícios aos cidadãos, mais, em que se tem de dizer aos pais que os seus filhos vão viver pior do que eles. Sabe que existe um profundo descontentamento com as instituições democráticas e em que se põe tudo em causa. E também sabe, ou deveria saber, que estas circunstâncias são terreno fértil para o aparecimento de soluções messiânicas e de narrativas que pretendem pôr em causa a própria democracia.
Quer queira, quer não, Cavaco Silva está a contribuir para isso quando faz discursos como o de dia 26, e não é digno daquele que foi o melhor primeiro-ministro desde o 25 de Abril que o faça.
O discurso antipolíticos, temperado com frases do género "eu sou um homem do povo", ou parecida, vazio de ideologia, muito preocupado nos supostos problemas das populações, centrado nas qualidades pessoais do líder é típico dos populistas.
Como dizia o outro: se se parece com um pato, anda como um pato e fala como um pato, é muito provável que seja um pato.
... continua
In DN, por PEDRO MARQUES LOPES, 31/10/2010
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