GENTE QUE CONTA - Manuel Alegre
"O menor dos males será a votação do Orçamento"
"Se fosse presidente, teria convocado o Conselho de Estado. Teria convocado os partidos políticos antes de eles se desentenderem. Teria convocado os parceiros sociais, sindicatos e associações patronais. Teria tentado promover uma concertação, política e social. (...) E teria tentado sensibilizar chefes de Estado, governos e instituições estrangeiras. (...) Há situações em que o Presidente da República deve pronunciar-se, não pode ser só um gestor de silêncios. (...) Tem havido uma certa falta de comparência do Presidente da República"
No preciso momento em que o PS e o PSD estão sentados à mesa a tentar viabilizar um acordo sobre o Orçamento do Estado, em nome do centro político em que o País tem vivido, Manuel Alegre quer precisamente fazer vingar a tese de que as próximas eleições presidenciais serão disputadas entre um candidato da direita, Cavaco Silva, e um candidato que representa a esquerda, ele próprio. Não é fácil - sobretudo quando tem de se admitir, como o próprio Manuel Alegre, com incomodidade, que, apesar de tudo, o País precisa de um Orçamento, mesmo que ele não possa ainda fazer a aposta que se desejaria, na economia e no crescimento. Apertado entre as opções do Bloco de Esquerda e as do PS, o candidato desvaloriza as divergências profundas entre os dois partidos que o apoiam e procura fazer um foco na sua candidatura, que segundo ele continua tão independente como há quatro anos.
O ministro Teixeira dos Santos não se cansa de repetir que este é o Orçamento do Estado de que o País necessita. Concorda?
Este é um Orçamento que me custa, e acho que vai custar a todos os portugueses, sobretudo aqueles a quem vão cortar salários, congelar as pensões, diminuir as bolsas.
Compreende essas linhas gerais do Orçamento?
É impossível separar estas linhas gerais do Orçamento dos nossos próprios problemas e também daquilo que se passa na Europa, da linha de austeridade que está a ser imposta neste momento pela Alemanha aos países que têm as dificuldades que temos.
Recebemos essas indicações lá de fora?
Recebemos! Aquilo que mais me choca neste momento é que somos um país que está a perder a independência. Não temos autonomia de decisão! Aqueles que andaram nos campos de batalha a defender a independência nacional nunca pensaram que lhes podia aparecer um dia um inimigo chamado mercados financeiros. Mercados financeiros, Banco Central Europeu, empresas de rating. De facto, não temos praticamente autonomia de decisão. Agora, acho que uma coisa é a consolidação das finanças públicas, rigor nas finanças públicas - isso é indispensável, e temos de o fazer e de diminuir o endividamento. Outra coisa é resolvermos o problema da nossa economia. Isto não é só finança. Tem de haver crescimento, tem de haver uma mudança de paradigma, tem de haver investimento de muito maior qualidade - como sublinhava, aliás, o dr. Santos Silva numa entrevista -, que acrescente valor, na inovação, etc.
Que não haverá nos próximos tempos...
Não vai haver. Portanto, vai haver recessão. E, se vai haver recessão, a recessão é capaz de trazer mais recessão. E se calhar depois disso é preciso haver o PEC IV ou V...
Se estivesse na Assembleia da República, como votava o Orçamento ?
Mas não estou na Assembleia da República, sou candidato a Presidente da República. Posso dizer o que teria feito se fosse presidente da República e que acho que não foi feito.
E o que teria feito?
Primeira coisa, teria convocado o Conselho de Estado.
Logo?
Estamos numa situação muito complicada. Sou membro do Conselho de Estado(1), não costumo dizer ao Presidente da República quando é que ele deve ou não convocá-lo, mas, se fosse presidente, teria convocado o Conselho de Estado. Teria convocado os partidos políticos antes de eles se desentenderem.
Mais cedo?
Mais cedo. Teria convocado os parceiros sociais, sindicatos e associações patronais. Teria tentado promover uma concertação, política e social. E teria tentado sensibilizar, coisa que não sei se o Presidente fez - mas se fez não deu nota pública disso -, sensibilizar chefes de Estado, governos e instituições estrangeiras, porque Portugal foi tratado injustamente, e mesmo algumas empresas de rating, de notação, trataram injustamente o País. Portanto, teria tido uma posição mais activa e provavelmente ter-me-ia mesmo deslocado a países estrangeiros. Se o Presidente vai a Angola - e fez muito bem em ir a Angola - acho que a situação exigia que fosse a França e que fosse à Alemanha, porque há neste momento uma deslocação do centro do poder na Europa.
Porque acha que o Presidente não o fez, não se envolveu tanto?
O Presidente da República muitas vezes - ainda ontem estive a ver uma coisa que anda aí no YouTube - diz "eu não me pronuncio", ou "o Presidente da República não se pronuncia". Mas há situações em que o Presidente da República deve pronunciar-se, não pode ser só um gestor de silêncios. Houve agora esta decisão da senhora Merkel e do Sarkozy, que é uma subversão dos tratados europeus, dizendo que vão punir politicamente os países que estiverem em incumprimento de dívida quando eles próprios já estiveram nessa situação. Aí está uma situação que justificava também uma tomada de posição do Senhor Presidente.
É preferível, nesta conjuntura que vivemos, ter um mau Orçamento ou não ter Orçamento nenhum?
Essa é uma pergunta que eles vão ter de decidir. Este Orçamento tem as consequências que sabemos e que foram ditas num debate da Assembleia. Ouvimos o próprio dr. Silva Lopes, que é uma pessoa conceituada, pessimista e tal, mas tem tido um papel sempre positivo nas questões portuguesas, o dr. Alberto Reis, etc., dizendo que um país não aguenta dez anos de recessão. Não aguenta! Não haver Orçamento, na situação em que estamos, vai levar a uma situação parecida ou pior.
Portanto, pesando tudo, gostaria que o Governo tivesse Orçamento do Estado?
Eu, na situação em que estou, tenho dificuldade em dizer. Acho que há dramatização a mais. Mas a reunião do PSD, as condições que são postas... Dá impressão que há ali uns sinais de abertura para a viabilização do Orçamento.
E, tudo pesado, é disso que o País precisa neste momento?
O País precisava de um outro tipo de Orçamento! O País precisava de crescimento económico.
Mas só vai ter este ou nenhum...
Pois não, mas é terrível.
Perdoe-me a insistência: perante este cenário, o que aconselharia?
Tenho dificuldade em dizer. Não estou a fazer isto por qualquer jogo, tenho dificuldade porque acho que as consequências deste Orçamento vão ser muito dolorosas para os portugueses. E a ausência de um Orçamento pode agravar, de facto, a pressão especulativa sobre Portugal e trazer consequências piores ainda.
E portanto...
Portanto? Mas isso é uma decisão que não sou eu que vou tomar. A posição do Governo é conhecida! Eu, como português, penso que porventura o menor dos males será a votação do Orçamento. É o menor dos males.
Deixa-o desiludido o facto de o PS não conseguir negociar este Orçamento do Estado com forças à sua esquerda?
Tenho pena. Mas nisso a responsabilidade não é só do PS, também é dos outros. Há aqui visões muito diferentes da sociedade, da Europa. Portugal está na União Europeia (EU), assumiu, bem ou mal, compromissos com a UE, e os compromissos são para cumprir. As posições dos outros partidos da esquerda são diferentes. O PCP tem uma posição, a do Bloco de Esquerda não é exactamente a mesma. Estes partidos não têm a mesma visão da governação nem a mesma visão do que é ou deve ser a UE, ou do que é ou deve ser a posição de Portugal na UE. Portanto, era difícil. Embora tenha havido situações no passado, mesmo em alturas de grande tensão, em que houve negociações. Recordo-me do PCP, já não sei há quantos anos, ter, por abstenção, viabilizado um Orçamento do PS.
Diz que consigo na Presidência não haveria banqueiros(2) a mediar o Orçamento. O que quis dizer com isso?
Quis dizer isso mesmo. Estamos nesta situação porquê? Porque o Estado, aliás, os Estados europeus, mas o Estado português também, endividaram-se muito para garantir o sistema financeiro. Gastámos quatro mil milhões logo no BPN. E a banca não contribuiu: beneficiou, quando foi responsável de grande parte desta dívida pública em que nos encontramos. Os Estados membros da União Europeia tiveram de salvar o sistema financeiro, tiveram de gastar ainda muito dinheiro para atenuar os efeitos da crise, e agora a banca aí está outra vez a ditar as regras. Eu sei que a banca está também aflita e em estado de necessidade porque tem um problema de financiamento no estrangeiro, mas há independência do poder político em relação ao poder económico. É uma questão de pudor e de recato. Agora a maneira como isto foi feito... Os bancos vão ao Presidente da República, os bancos vão ao Governo, os bancos vão aos partidos, ao principal partido da oposição. Por estado de necessidade ou não, mas não são eles que vão ditar as regras do jogo ou sobrepor-se à decisão dos órgãos legítimos democráticos. Temos falado muito da dívida pública e muito pouco do endividamento privado!
Que é maior...
Que é maior, é o dobro! E também aqui o Artur Santos Silva, que volto a citar, diz: "Quando nós entrámos para o euro, não interiorizámos o que isso significava." Quando digo nós, é nós todos: cidadãos, empresas, o Estado, os bancos - ele não fala dos bancos, mas os bancos também - não interiorizaram! Não tiveram em conta o juro primário, e depois as pessoas puseram-se a gastar, a gastar... A banca privada fomentou uma publicidade agressiva, fomentou um consumismo desbragado. É o compra-se agora e paga-se depois no privado e no público que nos levou a esta situação. E deviam também ser tomadas algumas medidas para combater o endividamento privado e o papel dos bancos, que têm responsabilidades nisto. Os bancos e os cidadãos.
O que faria se fosse presidente da República (PR) e o Orçamento fosse chumbado?
O PR aí não tem grandes hipóteses.
José Sócrates já disse que não teria condições para governar, insinuou que apresentaria um pedido de demissão. O que poderia aí o PR fazer?
Pode conversar, pode moderar. Olhe, ouvi na TSF uma estranha entrevista do meu amigo e colega do Conselho de Estado António Capucho, que sobre a questão do Orçamento e da mediação entre o PS e o PSD propunha o dr. Ernâni Lopes, o Artur Santos Silva e o Guilherme de Oliveira Martins, como mediadores. Então e o Presidente da República? Onde está a capacidade de moderação e de mediação do Presidente da República? Acho que tem havido uma certa falta de comparência dele. Respeito-o, considero-o um homem honrado, tem as suas visões. Mas isto é um problema político, e tem havido uma certa falta de comparência. Numa situação destas, não me parece que o Orçamento vá ser chumbado, mas tudo pode acontecer. Qual é o papel do Presidente? Não é ter um programa próprio! É o papel de moderador, de árbitro! E aí o Presidente interpretou mal, em meu entender - disse-lhe isso no primeiro debate que tivemos sobre os poderes presidenciais -, a cooperação estratégica, que tem subentendida a partilha das definições da linha do Governo, e que deu naquilo que deu. E também da vigilância sobre a situação financeira! O próprio dr. Nogueira Leite disse que nesse aspecto o Presidente falhou. Ele é economista, é professor de Finanças, criou a ilusão de que por tudo isso ia resolver... Mas chegámos a esta crise, e aquilo em que o Presidente poderia ter sido útil, nessa vigilância, no ter tido uma intervenção aqui e lá fora...
Segundo a sua opinião, não o fez?
Não o fez.
O que pensa das condições apresentadas esta semana pelo PSD para viabilizar o Orçamento? Há um recuo nos impostos...
Pois, há um recuo nos impostos, com os títulos da dívida pública...
É uma boa base de trabalho para conseguir o entendimento?
Penso que é uma base de trabalho que o Governo poderá - mas não me quero substituir ao Governo - considerar. Sobre o IVA e as parcerias público-privadas penso que será mais complicado. Sobretudo os 2% do IVA implicam mil milhões de receita, ficava a receita reduzida a metade, e isso ia estragar as contas todas. Penso que é difícil, mas não queria entrar nessa discussão.
As despesas do Estado social têm muito a ver com a situação financeira a que o País chegou?
O Estado social é a nossa garantia. Ponho- -lhe esta questão: imagine que estávamos numa situação destas, com um Orçamento destes ou com um chumbo de um Orçamento destes, em que as pessoas teriam de pagar a escola, ao médico só poderiam ir se tivessem seguro...
Mas a questão não é o Estado social, é a dimensão do Estado social.
"O menor dos males será a votação do Orçamento"
"Se fosse presidente, teria convocado o Conselho de Estado. Teria convocado os partidos políticos antes de eles se desentenderem. Teria convocado os parceiros sociais, sindicatos e associações patronais. Teria tentado promover uma concertação, política e social. (...) E teria tentado sensibilizar chefes de Estado, governos e instituições estrangeiras. (...) Há situações em que o Presidente da República deve pronunciar-se, não pode ser só um gestor de silêncios. (...) Tem havido uma certa falta de comparência do Presidente da República"
No preciso momento em que o PS e o PSD estão sentados à mesa a tentar viabilizar um acordo sobre o Orçamento do Estado, em nome do centro político em que o País tem vivido, Manuel Alegre quer precisamente fazer vingar a tese de que as próximas eleições presidenciais serão disputadas entre um candidato da direita, Cavaco Silva, e um candidato que representa a esquerda, ele próprio. Não é fácil - sobretudo quando tem de se admitir, como o próprio Manuel Alegre, com incomodidade, que, apesar de tudo, o País precisa de um Orçamento, mesmo que ele não possa ainda fazer a aposta que se desejaria, na economia e no crescimento. Apertado entre as opções do Bloco de Esquerda e as do PS, o candidato desvaloriza as divergências profundas entre os dois partidos que o apoiam e procura fazer um foco na sua candidatura, que segundo ele continua tão independente como há quatro anos.
O ministro Teixeira dos Santos não se cansa de repetir que este é o Orçamento do Estado de que o País necessita. Concorda?
Este é um Orçamento que me custa, e acho que vai custar a todos os portugueses, sobretudo aqueles a quem vão cortar salários, congelar as pensões, diminuir as bolsas.
Compreende essas linhas gerais do Orçamento?
É impossível separar estas linhas gerais do Orçamento dos nossos próprios problemas e também daquilo que se passa na Europa, da linha de austeridade que está a ser imposta neste momento pela Alemanha aos países que têm as dificuldades que temos.
Recebemos essas indicações lá de fora?
Recebemos! Aquilo que mais me choca neste momento é que somos um país que está a perder a independência. Não temos autonomia de decisão! Aqueles que andaram nos campos de batalha a defender a independência nacional nunca pensaram que lhes podia aparecer um dia um inimigo chamado mercados financeiros. Mercados financeiros, Banco Central Europeu, empresas de rating. De facto, não temos praticamente autonomia de decisão. Agora, acho que uma coisa é a consolidação das finanças públicas, rigor nas finanças públicas - isso é indispensável, e temos de o fazer e de diminuir o endividamento. Outra coisa é resolvermos o problema da nossa economia. Isto não é só finança. Tem de haver crescimento, tem de haver uma mudança de paradigma, tem de haver investimento de muito maior qualidade - como sublinhava, aliás, o dr. Santos Silva numa entrevista -, que acrescente valor, na inovação, etc.
Que não haverá nos próximos tempos...
Não vai haver. Portanto, vai haver recessão. E, se vai haver recessão, a recessão é capaz de trazer mais recessão. E se calhar depois disso é preciso haver o PEC IV ou V...
Se estivesse na Assembleia da República, como votava o Orçamento ?
Mas não estou na Assembleia da República, sou candidato a Presidente da República. Posso dizer o que teria feito se fosse presidente da República e que acho que não foi feito.
E o que teria feito?
Primeira coisa, teria convocado o Conselho de Estado.
Logo?
Estamos numa situação muito complicada. Sou membro do Conselho de Estado(1), não costumo dizer ao Presidente da República quando é que ele deve ou não convocá-lo, mas, se fosse presidente, teria convocado o Conselho de Estado. Teria convocado os partidos políticos antes de eles se desentenderem.
Mais cedo?
Mais cedo. Teria convocado os parceiros sociais, sindicatos e associações patronais. Teria tentado promover uma concertação, política e social. E teria tentado sensibilizar, coisa que não sei se o Presidente fez - mas se fez não deu nota pública disso -, sensibilizar chefes de Estado, governos e instituições estrangeiras, porque Portugal foi tratado injustamente, e mesmo algumas empresas de rating, de notação, trataram injustamente o País. Portanto, teria tido uma posição mais activa e provavelmente ter-me-ia mesmo deslocado a países estrangeiros. Se o Presidente vai a Angola - e fez muito bem em ir a Angola - acho que a situação exigia que fosse a França e que fosse à Alemanha, porque há neste momento uma deslocação do centro do poder na Europa.
Porque acha que o Presidente não o fez, não se envolveu tanto?
O Presidente da República muitas vezes - ainda ontem estive a ver uma coisa que anda aí no YouTube - diz "eu não me pronuncio", ou "o Presidente da República não se pronuncia". Mas há situações em que o Presidente da República deve pronunciar-se, não pode ser só um gestor de silêncios. Houve agora esta decisão da senhora Merkel e do Sarkozy, que é uma subversão dos tratados europeus, dizendo que vão punir politicamente os países que estiverem em incumprimento de dívida quando eles próprios já estiveram nessa situação. Aí está uma situação que justificava também uma tomada de posição do Senhor Presidente.
É preferível, nesta conjuntura que vivemos, ter um mau Orçamento ou não ter Orçamento nenhum?
Essa é uma pergunta que eles vão ter de decidir. Este Orçamento tem as consequências que sabemos e que foram ditas num debate da Assembleia. Ouvimos o próprio dr. Silva Lopes, que é uma pessoa conceituada, pessimista e tal, mas tem tido um papel sempre positivo nas questões portuguesas, o dr. Alberto Reis, etc., dizendo que um país não aguenta dez anos de recessão. Não aguenta! Não haver Orçamento, na situação em que estamos, vai levar a uma situação parecida ou pior.
Portanto, pesando tudo, gostaria que o Governo tivesse Orçamento do Estado?
Eu, na situação em que estou, tenho dificuldade em dizer. Acho que há dramatização a mais. Mas a reunião do PSD, as condições que são postas... Dá impressão que há ali uns sinais de abertura para a viabilização do Orçamento.
E, tudo pesado, é disso que o País precisa neste momento?
O País precisava de um outro tipo de Orçamento! O País precisava de crescimento económico.
Mas só vai ter este ou nenhum...
Pois não, mas é terrível.
Perdoe-me a insistência: perante este cenário, o que aconselharia?
Tenho dificuldade em dizer. Não estou a fazer isto por qualquer jogo, tenho dificuldade porque acho que as consequências deste Orçamento vão ser muito dolorosas para os portugueses. E a ausência de um Orçamento pode agravar, de facto, a pressão especulativa sobre Portugal e trazer consequências piores ainda.
E portanto...
Portanto? Mas isso é uma decisão que não sou eu que vou tomar. A posição do Governo é conhecida! Eu, como português, penso que porventura o menor dos males será a votação do Orçamento. É o menor dos males.
Deixa-o desiludido o facto de o PS não conseguir negociar este Orçamento do Estado com forças à sua esquerda?
Tenho pena. Mas nisso a responsabilidade não é só do PS, também é dos outros. Há aqui visões muito diferentes da sociedade, da Europa. Portugal está na União Europeia (EU), assumiu, bem ou mal, compromissos com a UE, e os compromissos são para cumprir. As posições dos outros partidos da esquerda são diferentes. O PCP tem uma posição, a do Bloco de Esquerda não é exactamente a mesma. Estes partidos não têm a mesma visão da governação nem a mesma visão do que é ou deve ser a UE, ou do que é ou deve ser a posição de Portugal na UE. Portanto, era difícil. Embora tenha havido situações no passado, mesmo em alturas de grande tensão, em que houve negociações. Recordo-me do PCP, já não sei há quantos anos, ter, por abstenção, viabilizado um Orçamento do PS.
Diz que consigo na Presidência não haveria banqueiros(2) a mediar o Orçamento. O que quis dizer com isso?
Quis dizer isso mesmo. Estamos nesta situação porquê? Porque o Estado, aliás, os Estados europeus, mas o Estado português também, endividaram-se muito para garantir o sistema financeiro. Gastámos quatro mil milhões logo no BPN. E a banca não contribuiu: beneficiou, quando foi responsável de grande parte desta dívida pública em que nos encontramos. Os Estados membros da União Europeia tiveram de salvar o sistema financeiro, tiveram de gastar ainda muito dinheiro para atenuar os efeitos da crise, e agora a banca aí está outra vez a ditar as regras. Eu sei que a banca está também aflita e em estado de necessidade porque tem um problema de financiamento no estrangeiro, mas há independência do poder político em relação ao poder económico. É uma questão de pudor e de recato. Agora a maneira como isto foi feito... Os bancos vão ao Presidente da República, os bancos vão ao Governo, os bancos vão aos partidos, ao principal partido da oposição. Por estado de necessidade ou não, mas não são eles que vão ditar as regras do jogo ou sobrepor-se à decisão dos órgãos legítimos democráticos. Temos falado muito da dívida pública e muito pouco do endividamento privado!
Que é maior...
Que é maior, é o dobro! E também aqui o Artur Santos Silva, que volto a citar, diz: "Quando nós entrámos para o euro, não interiorizámos o que isso significava." Quando digo nós, é nós todos: cidadãos, empresas, o Estado, os bancos - ele não fala dos bancos, mas os bancos também - não interiorizaram! Não tiveram em conta o juro primário, e depois as pessoas puseram-se a gastar, a gastar... A banca privada fomentou uma publicidade agressiva, fomentou um consumismo desbragado. É o compra-se agora e paga-se depois no privado e no público que nos levou a esta situação. E deviam também ser tomadas algumas medidas para combater o endividamento privado e o papel dos bancos, que têm responsabilidades nisto. Os bancos e os cidadãos.
O que faria se fosse presidente da República (PR) e o Orçamento fosse chumbado?
O PR aí não tem grandes hipóteses.
José Sócrates já disse que não teria condições para governar, insinuou que apresentaria um pedido de demissão. O que poderia aí o PR fazer?
Pode conversar, pode moderar. Olhe, ouvi na TSF uma estranha entrevista do meu amigo e colega do Conselho de Estado António Capucho, que sobre a questão do Orçamento e da mediação entre o PS e o PSD propunha o dr. Ernâni Lopes, o Artur Santos Silva e o Guilherme de Oliveira Martins, como mediadores. Então e o Presidente da República? Onde está a capacidade de moderação e de mediação do Presidente da República? Acho que tem havido uma certa falta de comparência dele. Respeito-o, considero-o um homem honrado, tem as suas visões. Mas isto é um problema político, e tem havido uma certa falta de comparência. Numa situação destas, não me parece que o Orçamento vá ser chumbado, mas tudo pode acontecer. Qual é o papel do Presidente? Não é ter um programa próprio! É o papel de moderador, de árbitro! E aí o Presidente interpretou mal, em meu entender - disse-lhe isso no primeiro debate que tivemos sobre os poderes presidenciais -, a cooperação estratégica, que tem subentendida a partilha das definições da linha do Governo, e que deu naquilo que deu. E também da vigilância sobre a situação financeira! O próprio dr. Nogueira Leite disse que nesse aspecto o Presidente falhou. Ele é economista, é professor de Finanças, criou a ilusão de que por tudo isso ia resolver... Mas chegámos a esta crise, e aquilo em que o Presidente poderia ter sido útil, nessa vigilância, no ter tido uma intervenção aqui e lá fora...
Segundo a sua opinião, não o fez?
Não o fez.
O que pensa das condições apresentadas esta semana pelo PSD para viabilizar o Orçamento? Há um recuo nos impostos...
Pois, há um recuo nos impostos, com os títulos da dívida pública...
É uma boa base de trabalho para conseguir o entendimento?
Penso que é uma base de trabalho que o Governo poderá - mas não me quero substituir ao Governo - considerar. Sobre o IVA e as parcerias público-privadas penso que será mais complicado. Sobretudo os 2% do IVA implicam mil milhões de receita, ficava a receita reduzida a metade, e isso ia estragar as contas todas. Penso que é difícil, mas não queria entrar nessa discussão.
As despesas do Estado social têm muito a ver com a situação financeira a que o País chegou?
O Estado social é a nossa garantia. Ponho- -lhe esta questão: imagine que estávamos numa situação destas, com um Orçamento destes ou com um chumbo de um Orçamento destes, em que as pessoas teriam de pagar a escola, ao médico só poderiam ir se tivessem seguro...
Mas a questão não é o Estado social, é a dimensão do Estado social.
Aí há alguma coisa a fazer?
Só agora estamos a aproximar-nos da dimensão média dos países da OCDE, que é 21%, 22%. Estamos a 20%, se não me engano, do produto interno bruto.
No próximo dia 24 de Novembro vai haver uma greve geral, coisa que não acontece há 22 anos. Vai fazer greve nesse dia?
Não faço greve, não é? (risos)
Compreende os motivos dessa greve?
Compreendo. É um facto sindical, político e democrático novo. As duas centrais têm tido dificuldade de convergência e de entendimento, e agora apresentaram as duas juntas o aviso prévio. Acho que os sindicatos têm um papel muito importante, como têm os outros parceiros sociais! Sou favorável à concertação social e ninguém tem falado com eles. Andam os banqueiros, mas ninguém fala com os sindicatos e ninguém fala com os parceiros sociais. Deveria ouvir-se os trabalhadores, respeitar os trabalhadores e ter em conta que é uma greve geral pelas duas principais centrais sindicais. Noutras situações e noutros tempos, isso seria uma coisa tremenda. Hoje liga-se menos, hoje essas coisas valem menos do que valiam. Mas acho que valem muito, que é preciso ouvir a voz dos sindicatos, a voz da rua e a voz dos trabalhadores. Eles representam milhões de trabalhadores que são aqueles que mais vão sofrer com esta crise, e é preciso pensar nas pessoas. E estou, política e democraticamente, do lado desses.
(1) Conselho de Estado - Órgão consultivo do Presidente da República, que este tem de ouvir antes de destituir o Governo, dissolver o Parlamento ou fazer declarações de guerra e paz
(2) Banqueiros - Presidentes da CGD, do BCP, do BPI e do BES reuniram-se com o líder do PSD, Pedro Passos Coelho, e depois com Teixeira dos Santos, alertando para o risco da degradação do 'rating' do País
Só agora estamos a aproximar-nos da dimensão média dos países da OCDE, que é 21%, 22%. Estamos a 20%, se não me engano, do produto interno bruto.
No próximo dia 24 de Novembro vai haver uma greve geral, coisa que não acontece há 22 anos. Vai fazer greve nesse dia?
Não faço greve, não é? (risos)
Compreende os motivos dessa greve?
Compreendo. É um facto sindical, político e democrático novo. As duas centrais têm tido dificuldade de convergência e de entendimento, e agora apresentaram as duas juntas o aviso prévio. Acho que os sindicatos têm um papel muito importante, como têm os outros parceiros sociais! Sou favorável à concertação social e ninguém tem falado com eles. Andam os banqueiros, mas ninguém fala com os sindicatos e ninguém fala com os parceiros sociais. Deveria ouvir-se os trabalhadores, respeitar os trabalhadores e ter em conta que é uma greve geral pelas duas principais centrais sindicais. Noutras situações e noutros tempos, isso seria uma coisa tremenda. Hoje liga-se menos, hoje essas coisas valem menos do que valiam. Mas acho que valem muito, que é preciso ouvir a voz dos sindicatos, a voz da rua e a voz dos trabalhadores. Eles representam milhões de trabalhadores que são aqueles que mais vão sofrer com esta crise, e é preciso pensar nas pessoas. E estou, política e democraticamente, do lado desses.
(1) Conselho de Estado - Órgão consultivo do Presidente da República, que este tem de ouvir antes de destituir o Governo, dissolver o Parlamento ou fazer declarações de guerra e paz
(2) Banqueiros - Presidentes da CGD, do BCP, do BPI e do BES reuniram-se com o líder do PSD, Pedro Passos Coelho, e depois com Teixeira dos Santos, alertando para o risco da degradação do 'rating' do País
In DN, por JOÃO MARCELINO, 24/10/2010
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